Mês: setembro 2011

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE LEGALIZAÇÃO NO RIO DE JANEIRO

A evolução da urbanização do Município de Janeiro não acompanhou as mudanças sociais, as necessidades básicas da população, ainda carente de saneamento básico em alguns locais, melhores condições de estruturação urbana e planejamento técnico. Apesar do grande esforço de arquitetos e urbanistas para colocar a Cidade do Rio de Janeiro no cenário mundial como “Cidade Maravilhosa”, a evolução histórica da Cidade nos revela que sempre houve uma desigualdade de critérios urbanos, privilegiando regiões como o Centro e Zona Sul, em detrimento às demais regiões da periferia.

O Decreto em vigor para licenciamento de edificações residenciais unifamiliares é o Decreto n.º 5.281/85, modificado em parte pelo Decreto n.º 10.426/91. Por um lado, o Decreto n.º 10.426/91 permitiu um avanço no processo de legalizações, abolindo parâmetros como área mínima de largura e área total de compartimentos. Por outro lado, deu margem ao surgimento de verdadeiras aberrações em construção residencial. O novo dispositivo legal possibilitou que especuladores e investidores do ramo imobiliário permanecessem cada vez mais movidos pela ganância, no intuito de aproveitar o maior número de unidades no menor espaço, visando sempre o lucro e não a qualidade de vida.

Em 1990, a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, tendo à frente o Prefeito Marcelo Alencar, aprovou o Decreto n.º 9.218/90, que permitia a legalização de até dez unidades num só lote. A construção poderia ocupar o afastamento frontal e não haveria mais as exigências quanto à iluminação e ventilação nos compartimentos. Bastaria que a obra comprovasse “condições mínimas de higiene, segurança e moradia”, e estes parâmetros seriam observados pelo poder discricionário do Engenheiro ou Arquiteto responsável pelo exame do processo (RIO DE JANEIRO, 1990).

O Decreto n.º 9.218/90 exigia somente a apresentação de planta de situação com quadro de áreas e um formulário padronizado, onde seriam indicados os compartimentos e áreas por unidade (RIO DE JANEIRO, 1990). Na verdade, esse Decreto foi um forte instrumento de arrecadação municipal, pois, com tamanhas facilidades e isenções, muitos contribuintes que viviam à margem da Lei acabaram percebendo que a oportunidade era bem favorável para obter a legalização de seu imóvel, até então travada em leis e regulamentos vigentes.

O Decreto n.º 9.218/90 estava direcionado para a Zona Norte e parte mais carente da Zona Oeste, locais de grande volume de obras irregulares. O que seria uma norma temporária, com prazo de vigência, acabou se prorrogando até 31 de dezembro de 2008, ocasião em que o então Prefeito Eduardo Paes optou por não prorrogá-la.

Ocorreu uma inversão no caminho da legalização. O contribuinte e os investidores imobiliários acabaram percebendo que seria muito mais fácil executar uma obra sem licença inicial e, após sua conclusão, entrar com o pedido de legalização com o benefício do Decreto n.º 9.218/90. Os custos com projetos de arquitetura seriam minimizados, pois seria aproveitado o afastamento frontal e poderiam ser legalizadas até dez unidades em um lote, sem respeitar metragens mínimas.

Isso gerou uma verdadeira favelização na nossa cidade, com construções irregulares e sem planejamento adequado, ganhando legalidade por força do Decreto n.º 9.218/90, com direito a Habite-se e averbação no Registro Geral de Imóveis.

Com o fim da vigência desse Decreto, as construções unifamiliares voltaram a ser reguladas pelos Decretos n.º 5.281/85 e n.º 10.426/91. A cidade deixou de lado o adensamento e verticalização, observados nos anos 80, e passou a adotar nos dias atuais uma tendência uni e bifamiliar, com construções de até dois pavimentos, em condomínios fechados, com infraestrutura de piscinas, quadras e outros atrativos coletivos.

Em 2009, a Prefeitura aprovou a Lei Complementar n.º 99/2009, a chamada MAIS VALIA, outra grande articulação do Poder Público Municipal visando unicamente a arrecadação aos cofres públicos. O que era divulgado amplamente nos canais de comunicação como uma “anistia”, uma oportunidade de legalizar os “puxadinhos”, era na verdade outra grande articulação de arrecadação, agora voltada para as áreas mais valorizadas – Barra da Tijuca, Recreio e alguns bairros da Zona Sul – onde o valor do metro quadrado edificado atinge valores elevados.

A Mais Valia funciona como um instrumento de contrapartida, ou seja, a Prefeitura deixa de cobrar um parâmetro urbano, uma legislação vigente que não foi obedecida como, por exemplo, uma vaga de carro ausente, uma área de ventilação insuficiente, um andar acima do gabarito permitido e, em troca, cobra um valor por metro quadrado a título de indenização e multa. Assim, legaliza a obra concluída em desacordo com as posturas municipais e, em troca, o contribuinte acaba pagando verdadeiros absurdos pela legalização. Isso pode ser muito vantajoso para aquele contribuinte que fez uma cobertura na beira da praia do Recreio, ultrapassando o gabarito permitido e ocupando área maior que a exigida. Com o pagamento de Mais Valia, terá seu imóvel valorizado com a legalização, e facilmente inserido no mercado imobiliário. No entanto, é totalmente desproporcional quando a mesma lei abraça um imóvel na Zona Norte, o qual foi edificado com uma garagem no afastamento frontal. Seguindo o princípio da igualdade, as mesmas alíquotas aplicadas na Zona Norte são aplicadas na Zona Sul. Isso leva a valores absurdos quando o caso em questão é a legalização de imóveis em áreas mais carentes. A Mais Valia ficou em vigor até 22 de janeiro de 2010.

A crescente oferta de financiamento imobiliário pela Caixa Econômica Federal reascendeu na população o sonho da casa própria. Os programas sociais, como o “Minha Casa, Minha Vida”, deram um grande impulso no ramo de compra e venda de imóveis, construção civil e mercado de materiais, criando vários empregos e aquecendo a economia. Soma-se a esse quadro a expectativa de realização dos Jogos Olímpicos e Copa do Mundo no País. A mudança de política de financiamento imobiliário praticado pela Caixa Econômica e demais agentes financeiros também impulsionou o mercado. O financiamento em que antes o mutuário pagava por vinte anos e, ao final, ainda tinha saldo devedor, hoje tem a facilidade de utilizar recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e da Caderneta de Poupança, com prestações decrescentes e com maior facilidade de obter a aprovação do crédito.

Tudo isso leva a uma necessidade de buscar o imóvel legal, aquele que pode ser inserido no mercado imobiliário e absorvido através de financiamento, com cumprimento das normas e exigências para ser aceito como garantia hipotecária. Não basta que o imóvel esteja em dia com suas obrigações tributárias, com o devido pagamento do IPTU, de acordo com a área existente no local. É necessário que tenha passado pelo devido processo legal administrativo junto à Secretaria de Urbanismo e Secretaria de Fazenda, para depois ser apresentado ao competente Registro Geral de Imóveis, com a comprovação do pagamento do INSS referente à obra. Só assim pode-se ter um imóvel pronto para ser inserido no crescente mercado imobiliário.